segunda-feira, 5 de março de 2012

SEMANA DA LEITURA de 5 A 9 DE MARÇO

               Promover a leitura é um dos objetivos que norteiam o ensino do português, língua materna.

                É importante que os nossos alunos gostem de ler. A leitura deverá constituir um momento de prazer, quer na fruição momentânea, quer no reconhecer futuro dos benefícios resultantes ao nível do desenvolvimento de outras competências.

                O poema narrativo, que se segue, de Vasco Graça Moura ilustra o envolvimento do leitor que é «puxado para dentro do texto» e, inebriado pela imaginação, dele se recusa a sair…

Quatro crianças estavam na praia, sentadas junto às rochas, e tinham um livro no colo. Um cão andava por ali como que a observar o que as crianças faziam; um guarda passou por perto. O mar estava muito azul. Enquanto liam, os meninos sentiam-se os protagonistas das histórias contadas de onde não conseguiam sair; não queriam regressar ao mundo onde não é possível "brincar"; queriam continuar a ler, mesmo que a leitura implicasse muito esforço e, assim, continuaram até à hora do lanche.



biblioteca itinerante

quatro crianças de chapéu de palha

e bibe curto às risquinhas, e livro aberto no colo,

junto às rochas, na praia, e um cão, mas esse era analfabeto de certeza,

a espreitar a cena,

e uma praça da guarda que ia

a passar por ali, na pasmaceira,

mesmo a propósito,

enquanto o mar parecia absolutamente

pintado a tinta muito azul.



a história pode começar assim,

por ser a dos meninos que, nas páginas abertas,

iam a caminho da floresta e se enfronharam

em tanta vegetação mágica, ou a dos meninos

que escorregaram por um buraco encantado abaixo

e não conseguiam sair de lá,

nem queriam,

 ou a dos meninos que, na correria,

jogando à bola, à macaca, à cabra-cega,

aos piratas, aos polícias e ladrões,

e a tantas outras coisas a que jogam os meninos

e as meninas, por exemplo, apanhar conchas

mesmo que só na imaginação, se perderam no mundo

que não brinca.



primeiro foi o cão.

ladrou, ergueu a pata, pôs-se

à frente deles, a dar à cauda muito contente, e quis

ajudá-los a encontrarem uma saída, mas

desorientou-se facilmente,

por ser ainda cachorrinho e estar

há muito pouco tempo nesta história.

deu-se o caso de passar

segunda vez o guarda. mas o guarda,

que não era da terra e não sabia

nada de crianças, nem consta que

tivesse biblioteca, voltou para o quartel

sem dizer nada a ninguém,

porque achou que não podia fazer nada.



já era de esperar, o sol ia alto.

quatro meninos assim,

de chapéu de palha e bibe curto às risquinhas,

entre a sombra do rochedo e a areia

tão brilhante que até fazia mal à vista,

de livro aberto no colo e vozes

argentinas, tinham de descobrir

o caminho, mesmo com esforço, mesmo

muito devagar, mesmo que a aragem quisesse

voltar as folhas mais depressa do que eles,

empurrando-as como as pás de um catavento,

num sobressalto de palavras e de imagens coloridas,

soletrando aplicados cada página,

até à hora da merenda.





Vasco Graça Moura,

Poemas com Pessoas, Livros Quetzal