É importante que os nossos alunos gostem de ler. A leitura deverá constituir um momento de prazer, quer na fruição momentânea, quer no reconhecer futuro dos benefícios resultantes ao nível do desenvolvimento de outras competências.
O poema narrativo, que se segue, de Vasco Graça Moura ilustra o envolvimento do leitor que é «puxado para dentro do texto» e, inebriado pela imaginação, dele se recusa a sair…
Quatro crianças estavam na praia, sentadas junto às rochas, e tinham um livro no colo. Um cão andava por ali como que a observar o que as crianças faziam; um guarda passou por perto. O mar estava muito azul. Enquanto liam, os meninos sentiam-se os protagonistas das histórias contadas de onde não conseguiam sair; não queriam regressar ao mundo onde não é possível "brincar"; queriam continuar a ler, mesmo que a leitura implicasse muito esforço e, assim, continuaram até à hora do lanche.
biblioteca itinerante
quatro crianças de chapéu de palha
e bibe curto às risquinhas, e livro aberto no colo,
junto às rochas, na praia, e um cão, mas esse era analfabeto de certeza,
a espreitar a cena,
e uma praça da guarda que ia
a passar por ali, na pasmaceira,
mesmo a propósito,
enquanto o mar parecia absolutamente
pintado a tinta muito azul.
a história pode começar assim,
por ser a dos meninos que, nas páginas abertas,
iam a caminho da floresta e se enfronharam
em tanta vegetação mágica, ou a dos meninos
que escorregaram por um buraco encantado abaixo
e não conseguiam sair de lá,
nem queriam,
ou a dos meninos que, na correria,
jogando à bola, à macaca, à cabra-cega,
aos piratas, aos polícias e ladrões,
e a tantas outras coisas a que jogam os meninos
e as meninas, por exemplo, apanhar conchas
mesmo que só na imaginação, se perderam no mundo
que não brinca.
primeiro foi o cão.
ladrou, ergueu a pata, pôs-se
à frente deles, a dar à cauda muito contente, e quis
ajudá-los a encontrarem uma saída, mas
desorientou-se facilmente,
por ser ainda cachorrinho e estar
há muito pouco tempo nesta história.
deu-se o caso de passar
segunda vez o guarda. mas o guarda,
que não era da terra e não sabia
nada de crianças, nem consta que
tivesse biblioteca, voltou para o quartel
sem dizer nada a ninguém,
porque achou que não podia fazer nada.
já era de esperar, o sol ia alto.
quatro meninos assim,
de chapéu de palha e bibe curto às risquinhas,
entre a sombra do rochedo e a areia
tão brilhante que até fazia mal à vista,
de livro aberto no colo e vozes
argentinas, tinham de descobrir
o caminho, mesmo com esforço, mesmo
muito devagar, mesmo que a aragem quisesse
voltar as folhas mais depressa do que eles,
empurrando-as como as pás de um catavento,
num sobressalto de palavras e de imagens coloridas,
soletrando aplicados cada página,
até à hora da merenda.
Vasco Graça Moura,
Poemas com Pessoas, Livros Quetzal